terça-feira, 13 de abril de 2010

Rasayana Kathah

Materialmente falando, é um fato que quanto mais vivemos, mais velhos ficamos. Mais, quem pratica efetivamente a vida espiritual tem uma sensação completamente oposta. Parece loucura, mas, se usarmos o fator tempo como medida, o mais velho do devoto tem que estar no passado e não no presente. Como assim? Isso ocorre porque situar-se em consciência de Krishna significa estar sempre e cada vez mais se lapidando e, assim, se superando e se renovando. É como se o devoto ou a devota sempre se tornasse uma nova edição dele ou dela mesmo – uma edição revista e muitas vezes até ampliada! Portanto, a cada período, um devoto ou uma devota “vivos espiritualmente” possuem cada vez mais qualidade nas suas vidas espirituais. Por tudo isso, surge a pergunta: “Você está satisfeito com a qualidade da sua vida espiritual?” Se a sua resposta é “sim”, então é bom tomar cuidado...  É claro que, por um lado, é importante sentirmos certa satisfação. Afinal de contas, quando conseguimos nos livrar do complicado modo da paixão e nos fixar no serviço devocional experimentamos verdadeiro ruchi, ou sabor espiritual em nossas atividades. Mas fomos advertidos também da manifestação sutil e condicionante do modo da bondade: o sentimento de satisfação que dá a sensação de conclusão, encerramento, término. Aquela satisfação que não deixa margem para o prosseguimento. Aquela que limita, amortece, estagna. Por isso, o grande escritor e poeta Guimarães Rosa nos cutuca: “o animal satisfeito dorme” – uma provocação altamente cabível.

Um bom livro não é aquele que NÃO queremos que ele acabe?...Lembro-me claramente que isso ocorreu comigo quando lia o último volume da biografia de Srila Prabhupada. Eu fazia de tudo para NÃO terminá-lo. Eu estava satisfeito com a leitura? Sim! Plenamente satisfeito! Mas eu queria mais! Essa é a qualidade da satisfação transcendental. Me lembro também que quando o livro chegou ao fim deixei-o apoiado no meu colo ainda por muito tempo e, cheio de satisfação, fiquei perdido em devaneios sobre as qualidades transcendentais de Srila Prabhupada.

Um dos versos que considero dos mais impressionantes, devido à sua profundidade, é o verso em que a Rainha Kunti ora a Krishna: “Que venham as calamidades!”. Como assim?...Essa espantosa afirmação dessa maravilhosa devota de Krishna serve para corroborar também a idéia de que a insatisfação é bem-vinda. Definitivamente, não podemos nos render à sedução do repouso e deixar a acomodação engessar a nossa vida espiritual. Portanto, o sentimento de insatisfação pode ser um dos melhores motivos para sairmos da nossa zona de conforto. Em outras palavras, a insatisfação pode ser vista como uma grande misericórdia. Como já dizia o poeta Belchior: “E precisamos todos rejuvenescer”. É claro que materialmente falando isso é impossível. O corpo inevitavelmente irá envelhecer e não há o que fazer para determos isso. Isso é vida material. Mas, no campo espiritual, diferente da vida corpórea, podemos e devemos sempre rejuvenescer. Isso é vida espiritual (bhavanti hrt-karna rasayana kathah).

Chandramukha Swami

Sriman Mukunda Prabhu - bhavanti hrt-karna rasayana kathah "surgem tópicos que são Rasayana (um remédio que preveniria velhice e prolongaria a vida, um elixir) para o ouvido e coração" (SB 3.25.25).