Nos últimos anos, Richard Dawkins, famoso geneticista e ganhador de um prêmio Nobel, vem se dedicando a realizar o que ele chama de uma cruzada contra Deus. Segundo Dawkins, Deus não existe, é uma ilusão, e o mundo seria muito melhor caso não existissem religiões e todos se dedicassem apenas a tentar compreender cientificamente o funcionamento do universo, que para ele, resume-se na gloriosa luta da molécula de DNA para se afirmar no mundo. Quando perguntaram a ele o que somos ou quem somos, Dawkins disse que não passamos de meros hospedeiros de moléculas auto-replicantes de DNA, que essa é a verdade e que temos que aceitá-la, queiramos ou não.
Para ele, não há nada de poético ou confortante nisso, mas não importa, a verdade nem sempre é confortável.
Ainda segundo Dawkins, Deus não existe porque caso ele tivesse surgido antes de tudo, ele teria que ser muito inteligente para criar as leis da física e permitir que a vida evoluísse a partir de um simples aglomerado de moléculas. Isso não seria possível porque a inteligência é um produto da evolução, que surgiu após milhares e milhares de mutações cujo ápice seria justamente nós, a majestosa espécie humana.
Para quem passou a maior parte da vida trancado num laboratório, cheirando a formol, estudando a vida sexual dos grilos, não é de se esperar outra coisa, não acham? Durante uma entrevista, Dawkins fica irritado quando perguntaram o que ele sentia sabendo que a maioria das pessoas sente mais atração por ouvir uma música de Beethoven a estudar a anatomia de uma lagartixa. Ele ainda morde a própria língua quando afirma que não saberia como preencher o vazio que a religião deixaria nas pessoas caso ela deixasse de existir no mundo. Na sua visão míope e superficial, Dawkins tenta culpar a religião pelas principais mazelas da natureza humana, colocando uma lente de aumento no comportamento de alguns fanáticos e desprezando o lado bom que a religiosidade traz à vida de milhares de pessoas.
Por algum motivo, ele não consegue – ou não quer - enxergar que a violência, o fanatismo e a intolerância, são manifestações da natureza humana que estão presentes não só na religião, mas também na política, no esporte e, por que não, na própria ciência. Vale lembrar, a maioria dos cientistas do mundo contemporâneo é financiada pela indústria bélica e por governantes assassinos que gastam milhões e milhões inventando novas formas de matar pessoas inocentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, dos 147,4 bilhões de dólares anuais destinados à pesquisa científica, mais da metade, 80,7 bilhões, vai para a pesquisa militar. Desse valor, 69 bilhões vão exclusivamente para os programas de desenvolvimento armamentício.
Os investimentos em pesquisas militares são imensuráveis e visam não somente a defesa contra eventuais ataques, mas também o enriquecimento à custa da miséria e do sofrimento alheio. Segundo um relatório do Think-tank Stockholm International Peace Research Institute, entre 2003 e 2007, Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, Alemanha e França, foram os maiores exportadores de armas do mundo, respondendo por 80% das exportações mundiais.
Esses países, é bom que se diga, são os mesmos enaltecidos por Dawkins como países altamente civilizados, o que ele associa ao seu alto índice de ateísmo e anti-religiosidade. Infelizmente, Dawkins ignora que a maioria dos conflitos “ditos” religiosos não possui uma causa verdadeiramente religiosa, mas sim político-econômica. Se um cristão mata um mulçumano por causa de uma casa pra morar, isso não é um conflito religioso, mas sim econômico.
É o que ocorre no Oriente Médio, por exemplo, onde o que está em jogo não é a expansão do islamismo, a necessidade de se difundir a doutrina de Maomé, mas sim o domínio sobre a Palestina, um verdadeiro oasis no deserto. É claro que existe a intolerância religiosa e que alguns livros sagrados são manipulados por lideres políticos inescrupulosos. Isso é indiscutível. No entanto, isso de forma alguma exclui a importância e o valor da religião em nossas vidas, mas apenas expõe o lado sórdido e nebuloso da natureza humana, que manipula o conhecimento em prol dos seus interesses mesquinhos.
D`outro lado, estudos recentes mostram que pessoas dedicadas a alguma prática religiosa superam com maior facilidade os desafios da vida e, por incrível que pareça, são mais felizes. Na recuperação de delinqüentes e de dependentes químicos, por exemplo, a ação dos grupos religiosos se revela muito mais eficaz do que a ação de médicos, psicólogos e psiquiatras que, apesar de todo conhecimento científico e de recursos terapêuticos, não conseguem restabelecer essas pessoas a uma condição de vida digna.
É nesse sentido que Samuel P. Huntington, assessor do Pentágono, corresponsável pela estratégia de guerra no Vietnã, reconhece que as religiões têm em si um fator de suma importância para a paz mundial, pois “todas elas buscam a justiça, favorecem a concórdia, fomentam a solidariedade, pregam o amor e o perdão e mostram sensibilidade para com os pobres e condenados da Terra.”
Segundo os estudiosos, o principal motivo pelo qual a índia - país que concentra ¼ da população mundial num espaço territorial 4 vezes menor que o território brasileiro - apresenta índices de violência tão exíguos é a religiosidade do seu povo, que por sinal é extremamente heterogênea. Nenhum outro país do mundo tem uma diversidade religiosa tão grande quanto a Índia. O que nós ocidentais chamamos de hinduísmo não é uma religião específica, mas sim uma infinidade de segmentos religiosos, muitos deles com pontos de vistas totalmente antagônicos e que convivem pacificamente, apesar de todas as diferenças.
A cada 12 anos, esses segmentos se reúnem num grande festival chamado de kumbamela, considerado o maior encontro inter-religioso do mundo. Um evento totalmente pacífico. De forma evidente, isso mostra que nem a religião, nem a diversidade religiosa são fatores determinantes para os conflitos humanos. As diferenças obviamente existem e sempre existirão, (mesmo entre pessoas de uma mesma religião ou de uma mesma família), mas isso não significa que elas irão entrar em conflito e se matar umas as outras unicamente por não aceitar a religião do outro.
A causa desses conflitos é certamente outra e precisa ser investigada com imparcialidade e isenção de qualquer ideologia, como bem recomenda o método científico tão defendido por Dawkins e seus correligionários. Atribuir à religião a causa do sofrimento humano é não enxergar a nossa verdadeira condição nesse mundo.
É bem verdade que Marx dizia que a religião é o ópio do povo, mas não podemos esquecer que, ainda que isso seja verdade, a religião seria um ópio bem menos prejudicial que o álcool, as drogas, o shopping Center, o sexo, e diversos outros valores cultuados pela sociedade moderna sem nenhuma contra-indicação, mas que são altamente comprometedores.
Seja como for, não podemos negar que a religião, assim como todas as outras formas de conhecimento, exerce um papel fundamental na vida humana e que negligenciar esse papel ou culpá-la pelos conflitos humanos não nos fará pessoas mais inteligentes nem nos levará a uma condição humana superior.
Alias, como reconhece o próprio Dawkins, o vazio deixado pela religião não será preenchido por ninguém, nem mesmo pela própria ciência, e até que esse vazio possa ser preenchido por algo melhor, a religião deve ter seu devido respeito por parte de todos nós, quer acreditemos, ou não, na existência de Deus.
Por Raul Tavares